Servidores, vereadores e comunidade têm acesso a relatório que aponta comprometimento de passivo atuarial de quase 70% e custo patronal superior a 90% em 2023
Se o fundo previdenciário de Caxias do Sul fosse uma pessoa, neste momento, ele estaria prestes a entrar no cheque especial. E de maneira irreversível – a menos que adote medidas severas e imediatas. O alerta partiu do prefeito Adiló Didomenico na manhã da segunda-feira (11/04) em audiência pública na Câmara de Vereadores. Legislativo e comunidade tomaram conhecimento de uma situação que já havia sido exposta anteriormente, em primeira mão ao Executivo e ao Sindicato dos Servidores com ampla transparência. O relatório atuarial concluído recentemente estima que o custo patronal total com o Fundo de Aposentadoria e Pensão do Servidor (FAPS), ligado ao Instituto de Previdência e Assistência Municipal (IPAM), ficará acima de 93% no próximo ano. A estimativa é de que o Município tenha de arcar com custo suplementar de mais de R$ 394 milhões em 2023.
O déficit do IPAM-FAPS, que já era grave até dois anos atrás, ganhou contornos dramáticos a partir da pandemia e de seus efeitos devastadores na economia como um todo, mas particularmente, a local. Em 2020, Caxias do Sul destinou, além da parcela patronal de 16,92%, mais de R$ 139 milhões com uma alíquota de contribuição suplementar de 28,04 % (passivo atuarial). No ano seguinte, em adição aos 16,92 % da parcela patronal, foram outros R$ 220 milhões como contribuição suplementar, sendo que a progressão da alíquota suplementar saltou para 42,04%. A estimativa de custo patronal total para 2022 é de 67,46%, cabendo ao Município bancar o aporte de R$ 242 milhões como contribuição suplementar, além da patronal.
A situação piora quando se examinam os indicadores para 2023. A estimativa de custo patronal total para o próximo ano entra na rota de aproximação dos três dígitos: 93,87%. Para arcar com o custo suplementar da previdência municipal, dos cofres públicos de Caxias do Sul devem sair mais de R$ 394 milhões. “O Município vai sangrar R$ 1 milhão por dia. Se não fizermos nada, o ano que vem será apenas para pagar servidor, aposentadoria e algo de educação e saúde. Mais nada. Esse cenário é muito real. O cenário atual é muito pior do que o esperado”, adverte o prefeito.
Adilo Didomenico revelou o quadro previdenciário do Município à imprensa, na tarde da segunda-feira (11), ao lado da vice-prefeita Paula Ioris, do presidente do IPAM, Flavio Carvalho (via videoconferência, em função do teste positivo para covid-19), diretor financeiro do IPAM-FAPS, Vinícius Bacichetto, do controlador-geral do município, Gilmar Santa Catharina, e da secretária de Recursos Humanos e Logística, Daniela Reis.
Segundo Carvalho, atualmente o IPAM-FAPS ainda efetua o pagamento de cerca de R$ 4 milhões referentes aos inativos e pensionistas que já recebiam benefícios em 2001, sem qualquer contribuição para o Fundo. No momento da criação, revela o gestor, o IPAM-FAPS recebeu a incumbência de custear o pagamento dos benefícios de aproximadamente 1,2 mil aposentados que jamais haviam contribuído para a reserva.
“Os números atuais evidenciam que as alíquotas de contribuição definidas inicialmente, na ordem de 7,03% para o servidor, 14,06% patronal e 13,28% suplementar, eram inadequadas e insuficientes para a sustentabilidade do FAPS. O déficit atual teve origem na definição destes índices, outras alterações de alíquotas pouco razoáveis, pagamento de aposentados que nunca contribuíram e, ainda, na incorporação de benefícios aos vencimentos sem a devida contribuição para garantir o seu custeio pelo Fundo. O resultado é o que está posto, ou seja, um desequilíbrio financeiro e atuarial na ordem de R$ 6,5 bilhões que precisa ser revisto e equacionado com a participação responsável de todos os envolvidos e na forma da lei, sem prejudicar a capacidade de investimentos do Município em outras áreas, como saúde, educação, segurança pública e infraestrutura”, afirma Carvalho. “Metaforicamente, nosso fundo de aposentadoria está doente. E, neste momento, não tem cura. Mas tem tratamento”, compara a secretária de Recursos Humanos e Logística, Daniela Reis.
Experiente na gestão de receitas municipais, o controlador-geral Gilmar Santa Catharina reforçou que as alíquotas atuais, diante das atuais perspectivas de receita, tornam-se impagáveis em 2023. E seguiu na analogia clínica: “Estamos na UTI, respirando por aparelhos. Agora precisamos fazer um grande esforço e tomar um remédio bastante amargo para conseguirmos ir para o quarto”.
Diretor financeiro do IPAM-FAPS, Vinícius Bacichetto observa que o atual rombo de aproximadamente R$ 6,5 bilhões nas contas da previdência municipal impacta toda sociedade, pois afeta diretamente a prestação de serviços à população. Uma das situações mais graves envolve a renovação do Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP), que ocorre a cada seis meses e passa pela aferição dos números da reserva para o pagamento de aposentados e pensionistas. “Sem o CRP não podemos receber verbas da União e ficamos proibidos de contrair empréstimos. É preciso provar a sustentabilidade do fundo previdenciário a longo prazo”, revela.
Alternativas em vista
Para além dos cenários de preocupação, a consultoria Lumens Atuarial, responsável pelo estudo que trouxe uma realidade considerada surpreendentemente negativa pelo Executivo municipal, apontou também possíveis alternativas para começar – mas de modo algum terminar de sanear as contas. De acordo com o levantamento, na melhor das hipóteses, se iniciado imediatamente, o trabalho tomará alguns anos e diversas administrações. A ideia é mitigar o estrago. “Acredito que podemos falar em estancar este déficit com medidas duras, mas necessárias. Hoje temos o indicativo de três ações combinadas, envolvendo modelos adotados pelo governo federal, pelo governo estadual e a chamada segregação de massas para salvar o Município”, explica a vice-prefeita Paula Ioris.
Combinadas, a adoção dos modelos de reforma previdenciária recentemente aplicadas pelos governos federal e estadual poderiam reduzir o comprometimento do município para ainda exorbitantes 52% de custo suplementar. Outro caminho passa pela segregação de massas. “É preciso um conjunto de soluções para ter algum efeito, porque a maior parte do passivo é de servidores que nunca contribuíram ou não contribuíram o suficiente. Algo precisa ser feito”, sublinha o diretor financeiro do IPAM-FAPS, Vinícius Bacichetto.
O relatório da consultoria Lumens Atuarial revelou que atualmente Caxias do Sul patina com uma proporção de 1,48 servidor ativo para cada aposentado. Um índice minimamente saudável para as contas de qualquer fundo previdenciário seria acima de 2,5 servidores ativos para cada aposentado. “O problema não é exclusivo de Caxias do Sul, mas a nossa média entre contribuintes e inativos é que é baixa. Por outro lado, fomos elogiados por ainda conseguirmos pagar estas contas e estarmos buscando solução antes de entrar em prejuízo”, pondera a vice-prefeita Paula Ioris.
Meta de governo
O presidente do IPAM, Flavio Carvalho, esclarece que diante das alternativas legais permitidas para amenizar a situação e evitar a insolvência, o entendimento do Município é o de que é urgente e se faz necessário a contratação de uma empresa especializada no ramo atuarial e previdenciário, que terá a missão de realizar estudos e apontar as adequações necessárias para reverter o quadro. “A conta chegou! Agora as alternativas apontam para a necessidade da realização de uma Reforma da Previdência de acordo com o previsto na Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019, e da Segregação de Massas nos termos do art. 53, § 2º, II da Portaria nº 464, de 19 de novembro de 2018”, assinala.
Os trâmites para a contratação da empresa que esboçará o plano para evitar a insolvência do IPAM-FAPS – e do Município junto com ele – já estão em movimento. A expectativa mais otimista é de que a definição ocorra em aproximadamente quatro a cinco meses. Para o prefeito Adiló Didomenico, trata-se de uma corrida contra o relógio. “Sempre fomos muito transparentes. A nossa primeira reunião para apresentar estes números contou com a participação do Sindicato dos Servidores, com quem já conversamos uma segunda vez. Os vereadores também demonstraram preocupação e isso é um bom indicativo. Sinal de que estão entendendo a gravidade da situação, que vai muito além, para as próximas administrações. Número não aceita enfeite. O que temos, está aí. É tudo muito claro”, destaca o chefe do Executivo.
Adiló afirma que o governo busca alternativas que ofereçam garantias aos servidores e sejam suportáveis ao Município. “A nossa meta como governo é não deixar essa bomba relógio para o futuro. Mesmo que isso nos traga desgaste político. Até agora o pessoal achava que não aconteceria o que está acontecendo. Agora temos de enfrentar”, reforçou o prefeito.
Créditos
João Pedro Bressan
Jornalista
Eunice Ebertz
MTE 19958